Carta aos escritores

Aírton DeSouza

Este breve texto nasce de um incômodo que só vocês são capazes de proporcionar. Vocês são responsáveis pelos devaneios, pelas inquietações que só tramas como as de Agatha, de Simenon e de Doyle são capazes de proporcionar. Instalam-se nas mentes que se abrem a essas narrativas, as quais, em princípio, parecem não ter propósito, a não ser a pura diversão, no máximo um simples distúrbio complementar, e depois nos atirar num turbilhão de acontecimentos, pistas, reflexões a nos conduzir, não pela mão, mas pelo intelecto a um mundo em que as coisas se resolvem, embora pareçam não caminhar para esse fim.

Garcia Marquez

Sendo assim, por que não dizer do emaranhado de personagens do Garcia Marquez a nos desafiar até mesmo em contar quantos são, quais são suas histórias para depois entendermos que é sempre a mesma, contada de maneira diferente, carregando nas tintas aqui e ali. Precisamos de mais cem anos de solidão!

Outros mergulham mais profundo! Cortázar mexeu em outro ponto e nos desafiou matematicamente a decifrar as entrelinhas e os saltos de capítulos e capítulos que dizem tanto, sem dizer quase nada, às vezes, da mesma forma que Joyce, Rosa, Calvino… Ao Machado, companheiro de sempre que, mesmo no apagar das luzes, afirmou que a vida valia a pena, quantas sutilezas e questionamentos como se fôssemos alunos dispostos em fileiras de carteiras anacrônicas e só tivéssemos o direito de sair dali, depois de dizer o que você, bruxo, perguntava tão insistentemente.

Machado de Assis

Saiba que tem um par, embora muitos possam duvidar, uma senhora que, ao contrário de você, e ao contrário de si mesma, dizia odiar os homens, mas que no fundo parecia amá-los muito mais do que todos os seus contemporâneos. Apontava é claro os defeitos de caráter, mas, será que não eram dela esses comportamentos e tentava resolvê-los pela fala e pelas ações dos seus filhos/personagens, tão bem-dispostos em narrativas que nos fazem ficar acordados à noite, até o fim da madrugada, com uma luz solitária, iluminando uma trilha imaginária compartilhada com cada uma dessas pessoas? Desculpem a frase longa, estava a ler Proust.

Patricia Highsmith

Salve, Patrícia Highsmith! Conhecer você por antecipação é saber do que você colocou nas suas criações. Tudo é seu, tudo está lá? Duvido muito. Deve esconder algumas surpresas para você mesma. Bolaño, vida breve, narrativas longas, dentre as melhores, por certo. Só você capaz de nos mostrar tantas vidas independentes e nos mostrar depois que estão mais ligadas do que possamos imaginar. Só você capaz de nos fazer acreditar na mudança de um idiota em um autor misterioso e recluso que desperta o faro de tantos acadêmicos. 2666 pode não significar nada ou significar muito, nunca saberemos, mas você deve sorrir aí de cima, creio que esteja aí, com nossas perguntas que ficarão sem resposta para todo o sempre, mas que perguntas…

Por fim, todos, sem exceção, os citados e tantos outros não citados pelo exíguo espaço, vocês tornaram este mundo possível. Se ele vai dar certo, isso é outra coisa, mas vocês fizeram a sua parte, apontaram caminhos e nos disseram que tudo não se resume a uma mesmice acabrunhante, mas a um leque colorido de cores que iluminam, de cores que obscurecem, mas, sobretudo, de cores que nos levam a abrir os olhos para um mundo de possibilidades…

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